por karonte | 23/09/2014 | Artigos, Biografias, Guerras, Museu, Personalidades, Século XX
Ahmad Shah Massoud foi um líder político e militar do Afeganistão. Formado em Engenharia pela Universidade de Cabul, recebeu o apelido de “Leão do Panjshir” durante a invasão soviética (Guerra do Afeganistão – 1979/1989), quando repeliu com sucesso 8 grandes ofensivas do Exército Vermelho ao Vale do Panjshir, região montanhosa ao norte do país, local onde nasceu. Após a retirada soviética em 1989, Massoud foi um dos líderes responsáveis por manter a ordem no Afeganistão nos anos subsequentes e chegou a exercer a função de Ministro da Defesa.
Ahmad Massoud: O Leão do Panshjir
Sempre contrário à milícia extremista e a interpretação extremista do Alcorão feita pela Al-Qaeda, foi forçado a se retirar juntamente com o restante de suas tropas para o norte do território afegão, onde se estabeleceu e iniciou a resistência armada contra o Talibã por meio da organização político-militar “Aliança do Norte”. Massoud usou todo seu carisma e popularidade para ajudar a solucionar uma guerra civil no vizinho Tajiquistão, influenciando as partes envolvidas a aceitarem um plano de paz da ONU. Também era contra a interpretação extremista do Islã, defensor da democracia e dos direitos das mulheres, da igualdade dos indivíduos e a favor de um Estado sob a égide do Direito Internacional.Por ter combatido “árabes”, O Leão do Panshjir gozava de uma popularidade maior entre os ocidentais do que entre os próprios árabes.
Ahmad Shah Massoud, além de um grande líder, era um visionário. Ao mesmo tempo em que tentava lidar com as rígidas tradições afegãs, sabia que o desenvolvimento de seu povo só seria alcançado por meio da educação. Em contraste com as rígidas regras impostas pelo Talibã na maior parte do território afegão, nas áreas controladas por Massoud, homens e mulheres eram iguais e gozavam dos mesmos direitos e deveres. As mulheres e meninas eram autorizadas a trabalharem e irem para a escola, não eram obrigadas a vestirem a burca afegã (vestimenta conservadora que cobria todo o corpo da mulher). Massoud também se posicionava contra os casamentos forçados e, inclusive, chegou à intervir em favor de mulheres em algumas ocasiões. Durante anos, centenas de milhares de refugiados afegãos fugiram de áreas controladas pelo Talibã e se estabeleceram em território sob domínio da Aliança do Norte.
Massoud e o fotógrafo francês Cristophe de Ponfilly.
A morte de Ahmad Shah Massoud
No dia 9 de setembro de 2001, apenas dois dias antes dos ataques terroristas nos Estados Unidos ao World Trade Center e ao Pentágono, dois homens-bomba árabes que diziam ser repórteres de uma emissora dos Emirados Árabes Unidos detonaram os explosivos logo no início da suposta entrevista, ferindo Ahmad, que não resistiu e morreu horas depois. Nas semanas anteriores, Massoud já tinha reunido com vários líderes tribais do Afeganistão e adiantado todos os preparativos para o início da ofensiva liderada pelos Estados Unidos e que culminou com a queda do Talibã. Seus seguidores o chamam de Amir Sahib-e Shahid (“Nosso Comandante Martirizado Amado”).
Após sua morte, Massoud foi nomeado “Herói Nacional do Afeganistão” por ordem do presidente afegão, Hamid Karzai. A data da sua morte, 09 de setembro, é um feriado nacional conhecido como “Dia Massoud” no Afeganistão. Muitos de seus seguidores o enxergam não apenas como um comandante militar, mas também como um líder espiritual (O túmulo fica situado no alto de uma montanha em Pans, perto de onde nasceu, e que atualmente é considerado um lugar sagrado por muitos afegãos). Em 2002, foi nomeado postumamente para o Prêmio Nobel da Paz.
Mausoléu de Ahmed Shah Massoud, localizado em uma montanha no Vale do Panshjir.
Referências:
Marcela Grad. Masoud: An Intimate Portrait of the Legendary Afghan Leader. Webster University Press.
Ahmad Shah Masoud: Lion of Afghanistan, Lion of Islam.
Masoud – O Afegão do Destino. Documentário.
por karonte | 26/07/2014 | Genocídios, Guerras, Século XX, Segunda Guerra Mundial
Com a quebra do pacto Ribbentrop-Molotov (pacto de não agressão) durante a Segunda Guerra Mundial, deu-se início à operação Barbarossa, codinome da maior campanha militar da história em termos de mobilização de tropas e baixas sofridas. Em janeiro de 1942, o fotógrafo soviético Dmitri Baltermants capturou uma imagem devastadora perto de Kerch, na Crimeia, mostrando pessoas chorando ao lado de corpos de seus entes queridos no chão.
O início das perdas pelos soviéticos
Na madrugada do dia 22 de junho de 1941, mais de três milhões de soldados alemães cruzaram a fronteira soviética. O avanço alemão em território russo foi rápido e avassalador. Em poucos dias, a Força Aérea Russa havia sido praticamente dizimada (a maioria dos aviões foram destruídos ainda em solo) e os blindados soviéticos em formação dispersa não foram páreos para a formação Blitzkrieg alemã. Em pouco tempo a Operação Barbarossa tornou-se uma questão de sobrevivência para os soviéticos.
Nenhum país, nenhum povo, lutou tanto quanto a União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial. Em nenhum outro lugar as memórias da guerra permaneceram tão vivas e tão profundas. A invasão alemã trouxe uma tal catástrofe, que parecia, a princípio, que nenhuma nação suportaria. Tão somente no cerco a Leningrado, que durou mais de dois anos, morreram mais seres humanos do que britânicos e americanos durante toda a guerra.
Expressão poética das perdas
Durante a Segunda Guerra Mundial, poetas soviéticos usaram sua arte para expressar as imensas perdas e o profundo sofrimento do povo soviético. Poemas como “Wait for Me” de Konstantin Simonov capturaram a angústia e a esperança dos soldados e de suas famílias. Escrito em 1941, tornou-se um símbolo de resiliência e devoção, evocando a promessa de retorno de um soldado à sua amada. Além disso, Anna Akhmatova, em sua obra “Requiem“, lamentou a dor das mães e viúvas que perderam seus entes queridos, refletindo a tragédia pessoal e coletiva da guerra. Poemas como esses desempenharam um papel crucial em manter o moral e a solidariedade durante os anos de conflito.
Contudo, a poesia soviética da época não apenas documentou o sofrimento, mas também exaltou a bravura e o sacrifício dos combatentes. Aleksandr Tvardovsky, em seu poema épico “Vasily Tyorkin”, criou uma figura heroica que simbolizava o espírito indomável do soldado soviético comum. Esses poemas serviram para unir a nação em torno de um sentimento comum de perda e resistência. Além disso, a literatura poética ajudou a preservar a memória das atrocidades e do heroísmo para as gerações futuras. A poesia da Segunda Guerra Mundial continua a ser uma poderosa ferramenta de reflexão sobre os custos humanos do conflito, destacando a importância de recordar e honrar aqueles que sacrificaram tudo.
Apesar de estarem acostumados à inúmeras perdas durante toda guerra, os soviéticos não fingiam estar imunes à dor. Dezenas de milhares de pessoas conheciam o poema “Wait for Me”, de Konstantin Simonov, de cor:
Espera por mim, e regressarei,
Mas espera muito.
Espera até se encheres de pena
Enquanto vês a chuva amarela.
Espera até os ventos
Varrerem as neves.
Espera no calor sufocante.
Espera até os outros desistirem
Quando esquecerem o Ontem.
Espera mesmo que não cheguem
Cartas de longe para você.
Espera mesmo quando os outros
Estiverem cansados de esperar.
Espera mesmo quando a minha mãe
E o meu filho pensarem que morri.
E quando os amigos se sentarem
Bebendo em minha memória.
Espera, e não se apresses a beber
Em minha memória também.
Espera, pois regressarei,
Desafiando cada morte.
E deixa aqueles que não esperaram
Dizer que tive sorte.
Eles nunca compreenderão
Que, no meio da morte,
Você, e a sua espera,
Me salvaram.
Apenas você e eu saberemos
Como sobrevivi.
Foi porque você esperou por mim
Como mais ninguém o fez.”
Outro poema soviético dizia o seguinte:
Não me chames, pai.
Não me procures.
Não me chames
Nem desejes o meu regresso.
Estamos num caminho desconhecido
O fogo e o sangue apagaram a rota.
Voamos, nas asas dos relâmpagos,
Para não mais desembainhar a espada.
Todos nós tombamos em batalha,
Para não mais voltarmos.
Haverá um reencontro?
Não sei.
Sei apenas que devemos
Continuar a lutar.
Somos grãos de areia no infinito
E nunca mais veremos a luz.
Adeus, meu filho,
Adeus, minha consciência.
Minha juventude e meu consolo,
Meu único filho.
Que esta despedida seja o fim
Da vasta solidão,
Pois não há ninguém mais só.
Lá permanecerás
Para todo o sempre
Longe da luz e do ar.
A tua morte não será contada.
Não contada e não atenuada a morte,
Para não mais ressuscitar,
Para todo o sempre
Um rapaz de 18 anos.
Adeus, então.
Nenhum comboio chega dessa região
Com ou sem horário,
Nenhum avião pode aí chegar.
Adeus, meu filho,
Pois milagres não acontecem.
E, neste mundo,
Os sonhos não se realizam.
Adeus.
Sonharei contigo
Quando eras bebê,
Caminhando pela terra
Com passos fortes.
Pela terra onde já tantos
Estavam enterrados.
Esta canção, meu filho,
Chegou ao fim.”
A União Soviética foi salva pelos soldados e pelo povo. Mas na terra, sem chegarem a ver a paz, jaziam 20 milhões de mortos.
Referências:
Baseado e adaptado do documentário World at War (O Mundo em Guerra), produzido pela BBC em 1973.
Gilbert, Martin. The Second World War: A Complete History. Holt Paperbacks, 2004.
Hosking, Geoffrey. Russia and the Russians: A History. Belknap Press, 2001.
Merridale, Catherine. Ivan’s War: Life and Death in the Red Army, 1939-1945. Metropolitan Books, 2006.
Weinberg, Gerhard L. A World at Arms: A Global History of World War II. Cambridge University Press, 1994.
Akhmatova, Anna. Requiem. Leningrad, 1963.
Simonov, Konstantin. Wait for Me and Other Poems. Foreign Languages Publishing House, 1943.
Tvardovsky, Aleksandr. Vasily Tyorkin: A Book About a Soldier. Progress Publishers, 1945.
Brooks, Jeffrey. Thank You, Comrade Stalin!: Soviet Public Culture from Revolution to Cold War. Princeton University Press, 2000.
por karonte | 01/06/2014 | Curiosidades, Imagens Históricas, Século XIX
Imagem do Encouraçado Galena na Virgínia durante a Guerra Civil Americana, 1862.
A imagem mostra o USS Galena depois de uma batalha com as tropas confederadas Drewry’s Bluff, no Rio James, Estado da Virgínia, em 1862. O encouraçado possuía 950 toneladas de canhoneira férrea e foi um dos três primeiros navios de guerra blindados da Marinha dos Estados Unidos. Em 1862, foi enviado para a Virgínia para lutar contra as tropas confederadas durante a Guerra Civil Americana (1861-1865).
O Galena durante a Batalha de Drewry’s Bluff
Na manhã de 15 de maio de 1862, O USS Galena foi até Drewry’s Bluff e se fortaleceu sua posição no rio há cerca de 550 metros de uma bateria de artilharia dos Confederados estacionada no penhasco de 27 metros de altura. O encouraçado abriu fogo às 07:45 ao mesmo tempo que outros navios de madeira permaneceram sob distâncias mais seguras rio abaixo. O USS Monitor também tentou disparar contra a artilharia, mas suas armas não foram capazes de se elevarem o suficiente para alcançá-la. O fogo advindo do Galena foi em grande parte ineficaz, embora seus projéteis tenham conseguido matar sete e ferir outros oito membros da artilharia inimiga. Em contrapartida, o navio foi atingido 44 vezes em seu porto, dos quais 13 acertaram sua armadura, ainda tendo sofrido ainda três grandes buracos perfurados em sua longarina. 13 tripulantes morreram e outros ficaram 11 feridos. Dois marinheiros e um fuzileiro naval a bordo receberam a Medalha de Honra por suas ações durante a batalha. Charles Kenyon (bombeiro), Jeremiah Regan (intendente) e John F. Mackie (cabo). Mackie foi o primeiro membro do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA a receber a Medalha de Honra.
Referências:
James F. Gibson / Library of Congress / U.S. Naval Historical Center Photograph. ID: NH 53984.
Coski, John M. (2005). Capital Navy: The Men, Ships and Operations of the James River Squadron (Reprint of the 1996 ed.). New York: Savas Beatie.
Dictionary of American Naval Fighting Ships. Naval History & Heritage Command (NH&HC)
por karonte | 27/05/2014 | Artigos, Guerras, Primeira Guerra Mundial, Século XX
A Romênia, país situado no leste-europeu, se manteve neutra durante a Primeira Guerra Mundial até o dia 27 de agosto de 1916, quando aderiu ao bloco dos Aliados (França, Rússia e Grã-Bretanha), declarando guerra ao Império Austro-Húngaro.
Em troca, a Romênia assinou o Tratado de Bucareste e recebeu a promessa de ganhar os territórios onde predominava a população com maioria étnica romena, incluindo as regiões de Banat, Bucovina, Crişana, Maramureş e Transilvânia.
A Rômenia na Primeira Guerra Mundial
O início da campanha militar acarretou em diversas perdas para as tropas romenas, que perderam quase dois terços de seu território nos meses consequentes a sua entrada na Primeira Grande Guerra. A partir de 1917, os romenos conseguiram deter os avanços dos Impérios Centrais na Moldávia e iniciaram um contra-ataque. Ao final da Primeira Grande Guerra, com o custo de vidas civis e militares estimadas em 748 mil baixas, a Romênia anexou ao seu território as regiões da Bessarábia, Bucovina e Transilvânia, formando a Grande Romênia (România Mare), como ficou conhecida a extensão do território romeno durante o período entre guerras (1919-1940), a maior de toda sua história e que uniu essencialmente todos os territórios habitados por população com maioria étnica romena.
por karonte | 21/05/2014 | Artigos, Museu, Personalidades, Religião, Terrorismo
Hasan, um garoto paquistanês de apenas 15 anos, nunca foi uma personalidade conhecida em seu país. Contudo, no dia 6 de janeiro de 2014, tudo mudou. Aitzaz Hasan e seus amigos estavam do lado de fora da escola em Ibrahimzai, noroeste paquistanês, quando avistaram um terrorista suicida vestido com um colete repleto de explosivos, cujo objetivo era detonar o artefato explosivo no meio de cerca 2.000 crianças que estavam no interior da escola.
Seguindo o instinto básico da sobrevivência humana, os jovens adolescentes fugiram. Menos Aitzaz Hasan. Proferiu suas últimas palavras (“estou indo para impedi-lo. Ele está indo para a escola para matar os meus amigos”) e, sem hesitar, o pequeno herói foi ao encontro do terrorista, iniciando uma luta corporal que resultou na detonação da bomba, matando ambos. Aitzaz Hasan transcendeu. A virtude da coragem emanada do adolescente de 15 anos sobrepujou o ato de extrema covardia e fanatismo religioso que o terrorista estava prestes a concretizar. Hasan se transformou em um verdadeiro mártir e exemplo para o mundo, alcançando a imortalidade. Como já havia dito Sêneca: O ponto não é quanto tempo você vive, mas como nobremente você vive.
A foto do estudante Aitzaz Hasaz é colocada junto aos seus colegas na escola que ele ajudou a salvar no Paquistão.
Hasan não possuía características comuns aos grandes heróis da História, tais como a beleza e o carisma contundentes. Tampouco foi citado como “herói” em algum discurso eloquente proferido por algum apresentador de reality show. Hasan era um bom estudante e vivia uma vida simples, sem grandes aspirações, no pacato noroeste do Paquistão. Medalhas e condecorações seriam pouco para compensar o ato de heroísmo deste jovem.
“O verdadeiro heroísmo é extremamente sóbrio, muito pouco dramático. Não é a vontade de superar todos os outros a qualquer custo, mas o desejo de servir aos outros a qualquer custo.” – Arthur Ashe