Os monstros marinhos em mapas medievais

Monstros Marinhos em Mapas Medievais

Quando os marinheiros se lançavam ao mar em uma empreitada, um temor constante os assolava, o medo dos monstros marinhos representados em mapas marítimos.

ATUALIZADO EM 15/09/2013
Detalhes de mapa medieval

Ilustração: National Library of Sweden, shelfmark KoB 1 ab

O cristianismo nunca viu uma época tão propícia para a expansão como ocorreu durante a Idade Média. Foi nesse período que a cartografia começou a cada vez mais ser utilizada e, com ela, os desenhos de criaturas marítimas monstruosas apareceram com mais frequência.

Os monstros marinhos da Idade Média

Quando os marinheiros se lançavam ao mar para mais uma empreitada, seja em terras conhecidas, ou desconhecidas, um temor constante os assolava, o medo dos monstros marinhos. Segundo o Catolicismo, quando Deus criou a terra disse:

Deus disse: ‘Que as águas sejam povoadas de inúmeros seres vivos, e que na terra voem aves, sob o firmamento dos céus’. Deus criou, segundo as suas espécies, os monstros marinhos e todos os seres vivos que se movem nas águas, e todas as aves aladas, segundo as espécies. E Deus viu que isto era bom.

Nas palavras de Fonseca (1992): “Num dos textos mais significativos da cultura medieval, as Etimologias de Santo Isidoro de Sevilha, encontra-se, […] ‘os monstros não acontecem contra a natureza, posto que sucedem por vontade divina, e a vontade do Criador é a natureza de todo o criado […]’”.

Por essas citações é possível ver que uma das imagens passadas pela Bíblia sobre o mar era a de um lugar perigoso, inóspito e repleto de criaturas ferozes, mas acima de tudo, natural e obra de Deus. Era essa a visão arraigada no pensamento dos navegantes. Além disso, as histórias sobre as grandes viagens marítimas carregavam um ar de aventura e até heroísmo (a literatura glorificava os temas de heroísmo, lealdade e honra), contribuindo ainda mais para a criação de contos fabulosos de bestas marítimas habitando as águas salgadas e as batalhas épicas entre homens e feras.

As representações marinhas

A razão mais importante para a presença dessas criaturas com uma aparência fantástica talvez seja a forma como eram retratadas. Muitos desses animais não possuíam nada de fantasioso ou pertenciam às lendas, mas eram representações de seres reais. Os cartógrafos copiavam os desenhos de monstros marítimos das enciclopédias ilustradas, como a “Historiae animalium”, escrita em 1551 e uma das mais famosas. Em outras ocasiões, cartógrafos “menos experientes” copiavam os mais conhecidos; Olaus Magnus (1490 – 1557) foi uma referência quando o assunto era mapa marítimo.

Nos anos que compreendem o medievalismo, muitos bichos, em especial os de grandes proporções, eram considerados animais ferozes, monstros, como a baleia, os tubarões, leões marinhos e outros animais. A imagem de uma orca atacando uma foca não devia ser interpretada de outra forma como não a de um ataque de uma besta marinha. Se junta a isso o fato de que havia um estilismo próprio de desenho utilizado pelos cartógrafos; algumas vezes o puro ato de representar um monstro era unicamente com fins decorativos. Um exemplo disso está nas ilustrações mostrando um ser metade humano, metade peixe.

Lendas marinhas

Apesar de haver já a lenda de sereias, originária de mitologias antigas, essas representações, na verdade, eram um costume muito utilizado da demonstração de que cada animal terrestre tinha seu correspondente aquático, como bem disse Fonseca (1992), “[…] como afirma Plínio em sua História Natural, tudo o que existe na terra tem o seu correspondente no mar, então o monstro […] é o reflexo desta homologia universal”. Ou seja, nessa visão, o monstro seria o indicador do mundo ao contrário.

Ainda que fossem meras ilustrações para embelezar o mapa, hoje a maioria das pessoas, que não tem proximidade com o assunto, acredita serem criaturas míticas desenhadas. Nas palavras do historiador Luís da Fonseca (1992), “[…] É um papel muito diferente do que a mentalidade do homem de hoje pode atribuir. Para o homem moderno, o monstro participa do patológico, do defeituoso congênito. O monstro é o que se contrapõe a um modelo de perfeição […]”.

Outro ponto importante que levou a criação de mapas náuticos repletos de monstros marinhos foi o medo constante de terras distantes e desconhecidas, onde se acreditava que os animais ferozes espreitavam nos oceanos, prontos para atacar navegantes desavisados. A ilustração deles seria quase como uma tentativa de converter o desconhecido em algo conhecido, uma vez que os viajantes estariam preparados para qualquer infortúnio.

Algumas lendas compunham e propiciavam a manutenção do receio quanto ao perigo do além-mar, como, na cultura nórdica, o Kraken, a lenda da baleia gigante confundida com uma ilha, as sereias que já haviam sido popularizadas em outras regiões da Europa, entre outros. Foi apenas a partir do século XVII que as ilustrações passaram a ser menos carregadas de animais místicos e os reais a serem retratados com mais fidelidade. A razão para tanto encontra-se no fato de que o globo terrestre não era mais considerado um lugar tão desconhecido e qualquer representação ou resquício dos tempos medievais precisavam ser deixados de lados em favor das ideias iluministas e pela razão.

Monstros medievais

Referências:
Imagens retiradas do livro “Sea Monsters on Medieval and Renaissance Maps”, de Chet Van Duzer.
– FONSECA, Luís Adão da. O imaginário dos navegantes portugueses dos séculos 15 e 16. Estudos Avançados, 1992.
– DUZER, Chet Van. Sea Monsters on Medieval and Renaissance Maps. Britich Library, 2013. Para uma “sample” do livro acesse aqui.
– BOVEY, Alixe. Monster and Grotesques in Medieval Manuscripts. University of Toronto Press, 2002.
– CLASSEN, Albrecht. The Epistemological Function of Monsters in the Middle Ages. Rivista di Filosofia, 2012.
– PORTE, Melissa La. A tale of Two Mappae Mundi: The Map Psalter and its Mixed-Media Maps. The University of Guelph, 2012.
– WASHBURN, Wilcomb. Representation of Unknown Lands in XIV -, XV – and XVI – Century Cartography. Revista da Universidade de Coimbra. Coimbra, 1969.