por | 26/10/2017 | Genocídios, Guerras, Século XX
Agim Shala, de apenas 2 anos de idade, sendo passado pelo arame farpado pelos braços de seus avós no Campo de Refugiados na Albânia, 1999. A fotografia ganhou o prêmio Pulitzer do Washington Post e foi reconhecida como um símbolo da Guerra do Kosovo.
A Guerra do Kosovo e a fuga da família de Agim Shala
Durante a guerra do Kosovo, a comunidade albanesa lutava pela independência da província contra as forças de segurança sérvia (Iugoslávia), os familiares de Agim Shala precisaram migrar para o Campo de Refugiados de Kukes, Albânia. Infelizmente os avós de Agim Shala não puderam entrar no campo até que uma ordem fosse liberada. Para que o neto pudesse ficar protegido, eles o passaram por um buraco no arame farpado.
A tensão entre os separatistas albaneses e o governo da Iugoslávia, comandado pelo presidente Slobodan Milosevic, aumentou no final de 1998, quando o Exército de Libertação do Kosovo intensificou suas ações e passou a controlar parte da província. Naquele mesmo ano, negociações começaram a ocorrer entre os separatistas albaneses, o exército de Milosevic e algumas potências mundiais.
Durante as negociações ficou acertado que seria reconhecida a autonomia do Kosovo e tropas de paz da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) substituiriam as tropas sérvias, para que o acordo de paz entrasse em vigor. Contudo, o acordo fracassou, visto que os sérvios aceitaram reconhecer a autonomia do Kosovo, mas tal acordo fora negado pelo grupo separatista albanês e, ao mesmo tempo, o exército sérvio negou a presença das tropas de paz da OTAN, intensificando ainda mais o conflito e iniciando a Guerra do Kosovo em 24 de março com a invasão da Iugoslávia pela OTAN.
Foto: Carol Guzy/Washington Post/Getty Images
por | 22/05/2014 | Genocídios, Guerras, Museu, Século XX
Muro crivado de perfurações de armas de fogo com a inscrição em inglês Help Bosnia Now (Ajude a Bósnia Agora). Autor desconhecido.
A Guerra da Bósnia e Herzegovina ocorreu oficialmente entre 6 de abril de 1992 e 14 de dezembro de 1995. Durante quatro anos de conflito, o número estimado de mortes é calculado entre 100 e 200 mil pessoas e o de refugiados em mais de dois milhões.
O início Guerra da Bósnia
As três partes envolvidas utilizaram um nome e datas de início diferentes para a guerra. Os croatas a chamaram de “Guerra Patriótica”, considerando o primeiro ato da guerra a destruição da aldeia de “Ravno”, no leste da Herzegovina, no dia 01.01.1991. Os sérvios chamam de “Guerra de Defesa da Pátria”, tendo a mesma iniciada no dia 01.03.1992, após a um ataque a um cortejo de casamento em Bascarsija, antigo centro histórico e cultural no centro da cidade de Sarajevo, que matou o pai do noivo. Os bósnios a chamam de “Agressão à Bósnia e Herzegovina”, tendo a mesma iniciada no dia 01.04.1992, quando unidades paramilitares sérvias, sob as ordens do chefe do serviço secreto sérvio, Jovica Stanisic, cruzaram a fronteira e atacaram a cidade de Bijeljina, realizando o primeiro massacre de muçulmanos.
A República da Bósnia e Herzegovina foi formalmente reconhecida pela Comunidade Europeia em 6 de abril de 1992 e, pelos Estados Unidos no dia seguinte. Após a declaração de independência, forças sérvias bósnias, apoiadas pelo governo sérvio de Slobodan Milosevic e pelo Exército do Povo Iugoslavo (ANJ) atacaram a República da Bósnia e Herzegovina, a fim de garantir e unificar o território sérvio. A luta feroz pelo controle territorial foi acompanhada pela limpeza étnica da população não-sérvia de áreas sob controle sérvio, em especial, da população localizada na Bósnia Oriental, perto da fronteira com a Sérvia.
A guerra foi declarada oficialmente encerrada em 21 de novembro de 1995, com a assinatura do acordo de paz de Dayton (também conhecido como Protocolo de Paris).
Mapa da região da Bósnia (Ex-Iugoslávia).
Causas da guerra
A guerra foi causada por uma complexa combinação de fatores políticos e sociais no país, que se seguiram ao fim da Guerra Fria e a queda do sistema socialista na Iugoslávia. A República Socialista da Bósnia e Herzegovina era habitada principalmente por bósnios muçulmanos (44%), sérvios ortodoxos (31%) e croatas católicos (17%). Depois do início da desintegração da ex-Iugoslávia, um referendo para a independência foi realizado em 29 de Fevereiro de 1992. O resultado amplo em favor da independência, foi rejeitado pelos representantes políticos dos sérvios bósnios, que haviam boicotado o referendo.
por karonte | 29/11/2013 | Artigos, Genocídios, Guerras, Religião, Século XX
O Massacre de Srebrenica é considerado por várias autoridades ocidentais e grupos de Direitos Humanos como o pior crime de guerra ocorrido na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, vez que o número de vítimas civis é superior 8.000 pessoas, a maioria de homens e meninos bósnios muçulmanos.
O Massacre
Na tarde de 10 de julho de 1995, soldados do exército sérvio da Bósnia iniciaram um ataque a Srebrenica, “cidade refúgio” criada pela Organização das Nações Unidas. Um oficial da ONU no local enviou uma mensagem desesperada a sede da ONU em Genebra:
“Urgente! Urgente! Urgente! O Exército Sérvio da Bósnia está entrando na cidade de Srebrenica. Será que alguém pode parar isso imediatamente e salvar essas pessoas? Milhares deles (soldados) estão se reunindo ao redor do hospital. Por favor, ajudem.”
Ninguém impediu. De forma fria e metódica, os homens muçulmanos foram levados aos milhares em caminhões para locais perto do rio Drina, onde foram alinhados em fileiras de quatro pessoas e fuzilados com apenas um único tiro. O Massacre de Srebrenica colocou em xeque na época a atuação nos Balcãs, tanto da ONU, quanto dos Estados Unidos e da OTAN (Aliança Militar do Tratado do Atlântico Norte). O genocídio foi realizado em um território sob proteção internacional, sendo considerado por muitas autoridades como o ponto baixo da política ocidental dos Balcãs.
O ataque sérvio a Srebrenica e a inércia das autoridades
O coronel Ton Karremans, comandante das forças de paz holandesas, alertou os altos funcionários das Nações Unidas, no mês anterior, que haviam sinais claros de que os sérvios estavam preparando um ataque. Durante semanas, o exército sérvio intensificou o cerco sobre a cidade. A força de paz já estava enfraquecida e havia sofrido saques em carregamentos de suprimentos e munições. No dia 6 de julho, os bósnios sérvios bombardearam uma aldeia ao sul de Srebrenica e reforçaram suas posições na região. No dia 7 de julho, os holandeses requisitaram um bombardeio com aviões da OTAN em posições de ataque sérvias, com o intuito de frear a ofensiva, contudo, a ONU rejeitou o pedido e considerou que tal ataque se tratava apenas de uma sondagem. Da mesma forma, não queria prejudicar os esforços de paz de Carl Bildt, negociador europeu que acabara de chegar na região.
No dia 9 de julho, o general Herve Gobillard enviou um fax ao general sérvio Ratko Mladić alertando sobre as graves consequências que o exército sérvio enfrentaria caso não cessasse o ataque contra a área de segurança. Foi totalmente ignorado. Na manhã seguinte, 10 de julho, um único tanque e cerca de 100 soldados de infantaria sérvios aproximaram-se do bloqueio holandês, sendo rechaçados sob uma chuva de metralhadores calibre .50. Novamente, as forças de paz holandeses deram um ultimato a Mladić e solicitaram um ataque aéreo ao alto comando, ambos sem êxito.
No dia 11 de julho, milhares de soldados de infantaria sérvios flanquearam os veículos blindados holandeses e entraram na cidade. O ataque aéreo enfim foi autorizado pela ONU, mas era tarde demais. Quatro aviões, dois holandeses e dois americanos, atacaram tanques sérvios, conseguindo danificar um deles. Prontamente, Mladić ameaçou matar 32 soldados de paz holandeses reféns caso o bombardeio aéreo continuasse, o que fez com que a ONU e a OTAN suspendessem imediatamente o contra-ataque.
Ao cair da noite, o general Mladić se reuniu com o coronel Karremans. De acordo com testemunhas oculares, o general ordenou a um de seus homens para que cortasse a garganta de um porco e declarou: “Isto é o que nós vamos fazer os muçulmanos”. O relatório oficial de Karremans não fez menção a ameaça do general sérvio, mas no mesmo é revelado que o coronel dizia não ser capaz de defender aquelas pessoas.
Cerca de 15.000 pessoas, a maioria homens, foram reunidos nos arredores de Srebrenica e forçados a marcharem durante a madrugada. Algumas mulheres foram sequestradas e estupradas por soldados sérvios. Na manhã de quarta-feira, dia 12, um comboio com cerca de 40 caminhões e ônibus chegou ao acampamento holandês de Potocari. Grupos de homens e mulheres foram separados. Os refugiados supostamente seriam levados para território sérvio para depois serem negociados por soldados sérvios capturados, segundo afirmava no local o próprio Mladić.
No dia 12 de julho de 1995, Ratko Mladic toca em garoto muçulmano e garante às forças de paz da ONU que a população de Srebrenica estaria segura. Agência AP.
Christina Schmidt, uma enfermeira de origem alemã, liderou uma equipe dos Médicos Sem Fronteiras em Sbrenica. Ela enviou seu relato por rádio para o escritório de Belgrado de sua organização, que transmitiu para a imprensa mundial.
“Todo mundo deveria se sentir a violência nos rostos dos soldados do exército sérvio bósnio direcionando as pessoas como animais para os ônibus. Todo mundo que poderia ter impedido esse êxodo em massa deveria ser forçado a sentir o pânico e o desespero do povo.”
Dentre outras sandices que presenciou, Christina Schmidt também relatou o desespero de um pai que foi até ela com um bebê de um ano de idade, chorando. O pai seria levado pelo exército sérvio e não teria ninguém para cuidar de seu filho. Schmidt enxergou nos olhos daquele homem a expressão de alguém que nunca mais veria seu filho novamente.
Os refugiados que resolveram fugir a pé pelas florestas, eram caçados por soldados sérvios e tinham suas gargantas cortadas. Ninguém sabe exatamente quantas pessoas morreram no Massacre de Srebrenica. Analistas estimam um número de superior a 8.000 pessoas, principalmente de homens e meninos. Ratko Mladic foi preso em 26 de maio de 2011 em Lazarevo, região no norte da Sérvia.
Vala comum em Srebrenica, exumada em 2007. Foto: Adam Jones adamjones.freeservers.com
No dia 6 setembro de 2013, a Suprema Corte Holandesa declarou que a Holanda foi responsável pela morte de três homens muçulmanos bósnios, vez que os boinas azuis (forças de paz holandeses) arbitrariamente haviam ordenado a esses homens que deixassem o complexo das Nações Unidas durante o Massacre de Srebrenica. Segundo a advogada das vítimas, Liesbeth Zegveld, a decisão foi um avanço porque “estabelece que as forças de paz da ONU não podem operar em um vácuo legal, onde não há prestação de contas ou reparação para as vítimas”.