Yasser Arafat e Yitzhak Rabin: o aperto de mão do Nobel da Paz

Yasser Arafat e Yitzhak Rabin: o aperto de mão do Nobel da Paz

Yasser Arafat e Yitzhak Rabin em um aperto de mão que lhes rendeu o Nobel da Paz

Famoso aperto de mão entre Yasser Arafat com Yitzhak Rabin (chefe de Estado israelense), ao lado de Bill Clinton, que rendeu o Prêmio Nobel da Paz aos dois líderes. Foto de Ron Edmonds

Breve histórico da escalada de Yasser Arafat e da luta com Israel:

É inegável que a imagem de Yasser Arafat é controversa e, por vezes, ele é visto como um líder de extremos.  As vezes visto como um ditador, outras vezes como um defensor da causa palestina e, portanto, como negociador visionário, Yasser Arafat não deixa de ter seu enorme peso político e histórico tanto na causa palestina, como na história contemporânea. O líder nasceu em 4 de agosto de 1929 no Cairo e estudou na Universidade do Cairo até 14 de maio de 1948, quando abandonou-a para lutar contra os judeus, após a proclamação da independência de Israel.

Entretanto, Israel reprimiu os ataques e consolidou-se como nação no cenário geopolítico regional. A partir daí nascia a futura rivalidade entre Arafat e o Estado de Israel. Após esse episódio, Yasser Arafat permaneceu na faixa de Gaza, onde se encontravam outros refugiados palestinos e, um tempo depois, retornou para a Universidade do Cairo, para estudar engenharia. Foi nesse período que o líder palestino conheceu seus fiéis aliados durante o período militar da Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Posteriormente, tendo se formado na universidade e após os combates na crise de Suez, Arafat e Jihad (seu companheiro na OLP) intensificaram a luta armada contra Israel e acabou sendo preso pelo governo egípcio.

Todo esse episódio o levou a se exilar no Kuwait, fundando seu movimento (Fatah) ao lado de Abu Jihad e Abu Mazen (sucessor na OLP), cuja doutrina do movimento preconizava a libertação da Palestina. Entretanto, os israelenses, os egípcios, jordanianos e sírios viam no movimento e nos palestinos um inimigo e não intentavam abandonar o poder de influência sobre a Palestina. Contudo, por divisões internas no movimento acabaram por minar as intenções palestinas até 1969, quando Arafat se tornou presidente do comitê executivo da OLP, após ter perdido a organização para outro líder palestino no decorrer da década de 60.

Porém, devido as divergências dentro da organização e cansado da intenção de se criar um Estado palestino dentro do Estado jordaniano, o presidente Hussein ordenou que o exército jordaniano atacasse os palestinos. O resultado desse ataque foi sangrento, com mortos lotando os campos de refugiados e Arafat acabou sendo culpado pelo desastre. Ainda assim, o líder se manteve no posto dentro da organização e rumou-a para o Líbano, lançando os palestinos numa escalada cada vez mais terrorista com a organização Setembro Negro, em que ficou conhecida pelo assassinato de atletas israelenses nos jogos Olímpicos de Munique, em 1972. Para piorar a situação do movimento palestino veio a Guerra do Yom Kippur, 1973.

Porém Yasser Arafat alcançou uma vitória com a conferência de cúpula da Liga Árabe, que reconheceu os direitos da OLP em representar o povo palestino. Após esse episódio da Liga Árabe, a OLP e Arafat passaram a receber o apoio da Liga, da Arábia Saudita e se encontrou com o ministro das Relações Exteriores da França e, em 1974, Yasser Arafat fez um discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, sendo admitida, mais tarde, a OLP no Conselho de Segurança da ONU sobre o Oriente Médio. Foi a partir desse aumento de expressividade que o líder palestino iniciou uma série de negociações secretas com os israelenses.

Contudo, essas negociações culminaram no assassinato de alguns representantes dessa aproximação entre o líder palestino e os generais e diplomatas israelenses. O fracasso nas negociações resultou na operação Paz na Galiléia, por Ariel Sharon, invadindo o Líbano, gerando um massacre e expulsando a OLP da região, que acabou conquistando simpatias pela opinião pública internacional.

Na palavras do jornalista Edouard Zambeaux.

Pedras contra armas automáticas: assim a resistência palestina abriu uma nova era na luta pelo reconhecimento nacional. A primeira Intifada escapou ao controle da OLP, mas gerou uma onda de simpatia quase universal. Na gigantesca favela que se tornaram os 370 km² da faixa de Gaza, meninos enfrentam com pedras um dos mais temíveis exércitos do mundo.

Tudo isso acabou, entre outras conquistas e derrotas (Guerra do Golfo e apoio a Sadam Hussein), resultando no triunfo de Arafat como líder palestino e, em 1988, outro concorrente surgiu, o Hamas, irrompendo a tendência islâmica na cena política palestina. Com o fim da guerra do Golfo, as negociações entre os palestinos e Israel retornaram e, em 1992, com a eleição de Yitzhak Rabin em Israel, outra reunião histórica teve lugar na cena internacional.

No gramado da Casa Branca, o líder israelense e Yasser Arafat apertaram as mãos, rendendo-lhes o Nobel da Paz. Após idas e vindas nas negociações entre ambos os líderes (agora Yasser Arafat era considerado um chefe de Estado), as nações, palestina e israelense, não conseguiram chegar a um acordo e a “guerra” segue atualmente.

Referência:
– ZAMBEAUX, Edouard. “Yasser Arafat- um líder entre extremos“. História Viva.
Raphael Lemkin: o criador do termo “genocídio”

Raphael Lemkin: o criador do termo “genocídio”

Raphael Lemkin

Raphael Lemkin (1900 – 1959)

Raphael Lemkin foi o criador da Convenção Sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, aprovada em 9 de dezembro de 1948. Em 1951, a Convenção entrou em vigor, após a vigésima nação havia ratificado o tratado. Durante sua vida, Raphael Lemkin recebeu uma série de prêmios, incluindo o cubano Grã-Cruz da Ordem de Carlos Manuel de Céspedes, em 1950, o Prêmio Stephen Wise do American Jewish Congress, em 1951, e a Cruz de Mérito da República Federal da Alemanha em 1955. No 50º aniversário da Convenção da ONU, o Dr. Lemkin também foi homenageado pelo secretário-geral da ONU como sendo “um exemplo inspirador do compromisso moral.”

História de vida de Raphael Lemkin

A empreitada que consagrou o nome de Raphael Lemkin, um judeu de origem polonesa, começou em 1913, quando o então jovem de 12 anos lera o relato dos massacres comandados pelo imperador romano Nero contra os cristãos convertidos no século I, existente no livro Quo Vadis?, escrito pelo vencedor do prêmio Nobel Henryk Sienkiewicz. Sua história de vida foi marcada desde o início pela íntima e muitas vezes involuntária relação com crimes perpetrados contra humanidade. Crescido na região polonesa de Byalistok, Lemkin veio a conhecer aspectos desta absurda realidade ainda em 1906, quando da realização de pogroms (extermínio sistemático de judeus) na região a mando das autoridades imperiais russas, em eventos que tiveram como saldo setenta assassinatos e noventa feridos entre a população judaica que vivia nestas imediações.

Durante a Primeira Guerra Mundial, Raphael Lemkin, seus pais e irmãos foram forçados a se refugiar na floresta enquanto fogos da artilharia alemã destruíam a casa da fazenda onde viviam. Os alemães ainda se apoderaram da colheita, do gado, dos cavalos e de todos os bens da família. Quando estava no refúgio na floresta, um dos irmãos de Lemkin, Samuel, veio a falecer de pneumonia e subnutrição, decorridas diretamente das precárias condições de subsistência da família em virtude das ações armadas alemãs.

O Genocídio Armênio

Aos 21 anos, quando estudava linguística na Universidade de Lvov, o então jovem acadêmico Lemkin se deparou com a manchete nos jornais sobre o assassinato de Talaat Pasha, ex-ministro do Interior da Turquia e responsável direto pelo massacre de cerca de um milhão de armênios em território turco durante a Primeira Guerra Mundial. No dia 14 de março de 1921, no pequeno distrito berlinense de Charlottenburg, o jovem armênio de 24 anos, Soghomon Tehlirian, desferiu um tiro por trás a queima roupa na nuca de Talaat, que o matou instantaneamente. Tehlirian foi rapidamente dominado e espancado por pedestres que passavam pelo local.

Nota do jornal americano NY Times sobre o extermínio de armênios em 1915.

Nota do jornal americano “The New York Times” sobre o extermínio de armênios em 1915.

Lemkin não conseguia compreender a incoerência em ser considerado crime Tehlirian matar um homem, mas ao mesmo tempo não ser crime seu opressor ter matado mais de um milhão. Ainda que não tivesse cunhado o termo “genocídio” nesta época, Raphael Lemkin já se indignava com o fato de que a soberania que cada Estado possuía nestes anos pudesse ser utilizada impunemente para a realização de atividades de discriminação, segregação e assassínio de parcelas inteiras de suas populações. Nestes anos, Lemkin também acompanhou de perto o malogrado esforço britânico em punir os criminosos de guerra turcos responsáveis pela matança de armênios, esforço este definitivamente sepultado em 1920, quando o líder nacionalista turco Mustafá Kemal (conhecido como Atatürk) prendeu 29 soldados britânicos que se encontravam na Turquia. Estes soldados somente viriam a serem libertados por meio de um acordo de troca de prisioneiros envolvendo os dois países, no qual todos os suspeitos turcos de participação no genocídio armênio que se encontravam sob a custódia do Reino Unido foram repatriados.

O julgamento de Tehlirian expôs ao mundo os horrores cometidos pelo Estado turco contra os armênios. As provas e testemunhas trazidas à baila pela defesa de Tehlirian derrubaram a tese turca de que os armênios estavam sendo “apenas deportados”, e não aniquilados. No final do julgamento, o armênio foi absolvido, sob a justificativa de que agira como executor de consciência de humanidade. O resultado do caso teria incomodado profundamente a Lemkin, em virtude da oportunidade perdida para a criação de instrumentos legais internacionais que pudessem responsabilizar diretamente tanto políticas de Estado quanto executores de ações de extermínio em massa.

Soghomon Tehlirian

Soghomon Tehlirian, considerado pelos armênios como um herói nacional.

Logo após o julgamento do assassinato de Talaat, o jovem Lemkin, antes um convicto entusiasta do poder esclarecedor das palavras em uma sociedade, abandonou a filologia (evolução das línguas) e transferiu-se para a faculdade de Direito de Lvov, onde se dedicou ao estudo de instrumentos de proibição e penalização de chacinas.

A frustrada tentativa de Lemkin de criar a “Repressão Universal” durante a década de 1930.

Foi na qualidade de advogado fluente em várias línguas e exercendo a função de promotor público na Polônia que, em 1933, Raphael Lemkin elaborou um projeto de lei para ser apresentado em uma conferência de Direito Internacional em Madri, em um contexto marcado tanto pela ascensão nazista na Alemanha quanto pelo progressivo esquecimento dos crimes perpetrados contra os armênios pelo Estado turco. Na visão de Lemkin, a ausência de instrumentos legais para lidar com estas questões servia diretamente para perpetuar a possibilidade de que novos crimes desse tipo pudessem vir a ser cometidos.

Para combater esta situação de impunidade, Lemkin propôs uma Lei internacional proibindo a destruição de nações, raças e grupos religiosos, criando assim, a “repressão universal”, uma precursora da “jurisdição universal”. Os responsáveis por tais atos deveriam ser punidos onde quer que fossem detidos, independentemente do local, da nacionalidade ou da condição de autoridade do criminoso quando de sua detenção. Raphael Lemkin acredita que uma ameaça real de punição produziria uma mudança na prática. A lei que propôs igualmente vetava duas práticas associadas a esse tipo de crime: a barbárie, definida como “a destruição premeditada de coletividades nacionais, raciais, religiosas e sociais” e o vandalismo, classificado como sendo a “destruição de obras artísticas e culturais que sejam a expressão do gênio particular dessas coletividades”.

Lemkin jamais veio a participar da conferência de Direito Internacional ocorrida em Madrid, dado que o Ministério do Exterior da Polônia, seguindo a diretriz política de então do Estado polonês de aproximação com a Alemanha nazista, recusou sua permissão de viagem. Sua apresentação teve de ser lida em voz alta na sua ausência, o que possivelmente explicaria o desinteresse e a ausência de apoios contundentes para a sua proposta. Além disso, num contexto conturbado de potenciais conflitos surgidos da demarcação de fronteiras na Europa e nas possessões imperiais africanas e asiáticas, a própria Liga das Nações não via como prioridade a elaboração de uma resolução conjunta em defesa de minorias populacionais ameaçadas. Pela autoria desta proposta, Lemkin foi não só acusado de tentar elevar os status dos judeus nas sociedades em que viviam, como também, segundo o ministro polonês do Exterior Joseph Beck, de “insultar nossos amigos alemães”, no que diz respeito às críticas ao regime nazista, então em ascensão na Alemanha.

A invasão da Polônia no início da Segunda Guerra Mundial e a fuga de Lemkin.

No dia primeiro de setembro de 1939, confirmando as previsões do próprio Raphael Lemkin, a Alemanha nazista veio a invadir a Polônia. Seis dias depois, Lemkin começou a empreender uma desesperada fuga da Polônia, em que não só viu o trem em que estava ser bombardeado pelo Luftwaffe (Força Aérea Alemã), como também se viu obrigado a caminhar por dias pelas florestas polonesas, para tentar se proteger dos pesados ataques aéreos alemães. Depois de se refugiar em uma cidadezinha na parte do território polonês ocupada então pelas forças soviéticas, Lemkin pegou um trem até a cidade onde seus familiares moravam, com o objetivo fracassado de convencê-los a fugir do país.

Após conseguir fugir da Polônia, Raphael Lemkin primeiramente foi para a Lituânia, onde residiu até fevereiro de 1940, quando obteve asilo do governo sueco. Na Suécia, Lemkin passou a dar aula de Direito Internacional na Universidade de Estocolmo, onde começou a compilar os decretos legais que os nazistas haviam emitido em cada um dos países que ocuparam. Era seu objetivo neste momento demonstrar como o próprio Direito poderia ser usado para propagar o ódio e incitar assassinatos em massa na ausência de instrumentos que criminalizassem tais práticas.

Em abril de 1941, Raphael Lemkin se mudou para os Estados Unidos, onde começou a lecionar na Universidade de Duke. Em solo estadunidense, Lemkin também passou a divulgar os crimes cometidos pelos nazistas em diversas conferências que apresentou em câmaras de comércio, grupos femininos e faculdades. Em sua estadia nos Estados Unidos, Lemkin também foi contratado em 1942 como consultor-chefe pelo Conselho de Economia de Guerra e pela Administração da Economia Externa em Washington, e, em 1944, como especialista em Direito Internacional pelo departamento de Guerra dos Estados Unidos. No entanto, seus apelos, inclusive direcionados ao presidente Roosevelt, não surtiram efeito.

A criação do termo “Genocídio”

Ao ouvir um discurso do Winston Churchill, primeiro-ministro britânico, que referia ao extermínio alemão na Europa como um “crime sem nome”, Lemkin se inspirou para buscar um novo termo, que pudesse definir esse tipo de crime naquilo de único e perverso que lhe seria intrínseco: surgiu, então, o termo Genocídio.

Convenção da ONU Para o Genocídio

Na foto acima, vários delegados de Nações signatárias da Convenção Sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio. À frente, a partir da esquerda: Coréia, Haiti, Irã, França e Costa Rica. Atrás, à partir da esquerda: Secretário-Geral Adjunto para Assuntos Jurídicos, Secretário Geral, representante da Costa Rica e Raphael Lemkin, principal defensor da convenção. Foto: acervo da ONU

Lemkin apresentou um projeto de resolução para uma convenção sobre genocídio para que fosse adotado por vários países. Com o apoio dos Estados Unidos, a resolução foi colocada perante a Assembleia Geral para consideração. A Convenção Sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio foi formalmente apresentada e aprovada em 9 de dezembro de 1948. Em 1951, a Convenção entrou em vigor, após a vigésima nação havia ratificado o tratado.

Raphael Lemkin (à direita) com o embaixador do Brasil Gilberto Amado (à esquerda), antes de uma sessão plenária da Assembléia Geral em que a Convenção sobre a Prevenção e Punição do Genocídio foi aprovada. Palais de Chaillot, Paris, 11 de dezembro de 1948. Foto: Acervo da ONU

Conceitualmente, qualquer um dos seguintes atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso seria considerado como crime de Genocídio. Dentre os atos condenáveis, incluíam lesão grave a integridade física ou mental e assassinato de membros de grupos; sujeição intencional do grupo a condições de existência que acarretarão sua destruição total ou parcial; imposição de medidas destinadas a impedir o nascimento no seio do grupo e transferência forçada de crianças de um grupo para outro. De modo geral, o genocídio não significa a destruição imediata de uma nação ou grupo étnico/racial/religioso, mas sim a adoção de ações que visam a destruição de bases essenciais da vida de todos os membros de tal grupo, visando a aniquilação.

Final da vida de Raphael Lemkin

Por seu trabalho no Direito Internacional e na prevenção de crimes de guerra, Lemkin recebeu uma série de prêmios, incluindo o cubano Grã-Cruz da Ordem de Carlos Manuel de Céspedes, em 1950, o Prêmio Stephen Wise do American Jewish Congress, em 1951, e a Cruz de Mérito da República Federal da Alemanha em 1955. No 50º aniversário da Convenção, o Dr. Lemkin também foi homenageado pelo secretário-geral da ONU como sendo “um exemplo inspirador do compromisso moral.”

Raphael Lemkin faleceu vítima de um ataque cardíaco no escritório de relações públicas de Milton H. Blow, em Nova York, no ano de 1959, com apenas 59 anos. Apenas sete pessoas compareceram ao seu funeral. (A. M. Rosenthal, “A Man Called Lemkin,” New York Times, October 18, 1988, p.A31).

Placa de Raphael Lemkin

Placa em homenagem a Raphael Lemkin, localizada em Varsóvia, capital da Polônia.