Misericórdia nos céus durante a Segunda Guerra Mundial

A incrível história de misericórdia entre o piloto alemão Franz Stiglere o piloto americano Charlie Brown nos céus durante a Segunda Guerra Mundial.

01/11/2013
Franz Stiegler e Charlie Brown

Franz Stigler e Charlie Brown: Ato de misericórdia do alemão Stigler salvou a vida de Brown e de outros tripulantes do B-17 americano durante a Segunda Guerra Mundial.

O ano de 1943 ficou marcado pela reviravolta dos rumos da Segunda Guerra Mundial a partir da derrota alemã perante o Exército Vermelho na batalha de Stalingrado em fevereiro.

A ofensiva aérea nos céus da Europa

Ainda que a derrota em Stalingrado representasse o início do declínio das ações ofensivas alemãs durante o conflito, a Alemanha ainda tinha em sua posse não somente diversos recursos conquistados nos territórios ocupados, como também dispunha de importantes zonas industrializadas inteiramente voltadas para o abastecimento de seus exércitos. Diante das capacidades de resistência então existentes na Alemanha, as potências aliadas (principalmente Estados Unidos e Grã-Bretanha) passaram a intensificar o uso de campanhas de bombardeio aéreo sobre estruturas produtivas e linhas de abastecimento em território alemão, com o objetivo de facilitar tanto o avanço soviético no leste quanto a criação de novos front’s de combate terrestres a oeste da Europa.

O encontro aéreo de Franz Stigler e Charlie Brown

No dia 20 de dezembro de 1943, um bombardeiro B-17 da Força Aérea dos Estados Unidos, decolou do campo de aviação da RAF (Força Aérea Britânica) em Kimbolton, na Inglaterra, com a missão de bombardear uma fábrica de aviões em Bremen, na Alemanha. A aeronave carregava 10 tripulantes, comandados pelo tenente de 21 anos de idade Charlie L. Brown. Em poucos minutos, a missão obteve êxito, mas nem tudo saiu como o previsto: tropas alemãs atiraram contra o avião estadunidense, matando o artilheiro e ferindo outros seis tripulantes, além de destruírem dois motores do avião. Charlie, à frente do grupo e no comando, perdeu a consciência momentaneamente e a aeronave começou a perder altitude. Quando recuperou os sentidos, o tenente estabilizou a aeronave, mas percebeu que estava sendo seguido por uma caça alemão. Com a tripulação ferida e partes do avião destruídas, não havia o que fazer além de seguir. Sair vivo seria uma questão de sorte.

Como muitos veteranos pilotos de caça da Luftwaffe na Segunda Guerra Mundial, Franz Stigler acumulava anos de experiência em combates aéreos em diversos campos de batalha. Já havia operado uma aeronave modelo BF109 na Tunísia em apoio ao Afrika Korps de Erwin Rommel e mais tarde estava combateu fileiras da Frente Ocidental, na defesa da Alemanha. Stigler havia combatido ao lado de Hans-Joachim Marseille (um dos maiores ases alemães, com um total de 388 missões de combate e 158 aeronaves inimigas abatidas). Na África, fez parte de batalhas lendárias, como o Massacre de Domingo de Ramos. Durante o incidente com o avião americano, Stigler operava o Messerschmitt BF-109, uma das aeronaves mais avançadas e temidas da época.

Ao invés de disparar e derrubar a aeronave americana, o piloto inimigo posicionou o caça paralelo a nave inimiga e começou a gesticular. Percebendo que seu inimigo não iria atirar, Charlie ordenou à tripulação que aumentasse a altitude. O grupo se salvou, o avião aterrissou na Inglaterra e o tenente nunca deixou de se questionar o porquê do alemão não ter atirado. A 8ª Força Aérea Americana classificou o incidente como “ultra secreto” durante décadas. O militar alemão também nunca comentou sobre o seu ato, pois corria risco de enfrentar um pelotão de fuzilamento.

Pintura - Bombardeiro Segunda Guerra

Pintura comemorativa referente ao momento ocorrido nos céus durante a Segunda Guerra Mundial. Ref: Valor Studios.

A busca de um inimigo e o encontro de um amigo 47 anos depois

Em 1986, a Air Force Association patrocinou um evento em Las Vegas que ficou conhecido como “Gathering of Eagles” e contou com aviadores de todo o mundo. Durante o evento, o coronel Joe Jackson, veterano da Guerra do Vietnã, perguntou a Charlie Brown se algo incomum havia ocorrido com ele durante a Segunda Guerra Mundial. Durante todos os anos que sucederam o maior conflito da História, Brown não tinha pensado sobre o incidente com (o então desconhecido) Stigler. Tentando pensar em algo exótico, Brown respondeu: “Eu acho que uma vez que eu fui saudado por um piloto de caça alemão.” Espantados com o que ouviram, todos começaram a rir. Por um breve momento, Brown titubeou e questionou sobre se aquele fato realmente havia acontecido ou foi fruto de sua imaginação. Ainda assim, decidiu compartilhar essa memória com os outros presentes.

Em 1987, Brown foi atrás do homem que poupou sua vida. Pagou a publicação de um anúncio em uma revista de pilotos de combate, com os dizeres: “Estou buscando o homem que salvou minha vida em 20 de dezembro de 1943″. Recebeu um telefonema. Era Franz Stigler, o piloto alemão. Três anos depois, os dois se conheceram e Charlie, finalmente, obteve uma resposta para sua pergunta: “por qual razão você não atirou?” Franz contou que, ao emparelhar o caça com a aeronave americana, estava pronto para disparar. Contudo, percebeu que o avião inimigo voava com dificuldade e que a tripulação agonizava. Que honra haveria em derrubar um avião nessas condições? Veterano no conflito, Stigler havia servido na África sob o comando do tenente Gustav Roedel, que, segundo ele, lhe ensinou que, para sobreviver moralmente a uma guerra, era preciso combater com honra e humanidade; se isso não fosse feito, não conseguiriam conviver consigo mesmo ao voltar para casa. Era uma lição que não estava escrita em nenhum lugar, mas o código que guiou Franz em combate salvou os pilotos estadunidenses naquele 20 de dezembro de 1943.

Não há nenhuma virtude como a misericórdia. Misericórdia para com o inimigo é a misericórdia mais difícil de todas, sendo que talvez não haja verdadeira justiça sem misericórdia. A misericórdia é o verdadeiro emblema de nobreza.

Charlie Brown e Franz Stigler

Franz Stigler e Charlie Brown, agora amigos, “encenam” a batalha ocorrida nos céus durante a Segunda Guerra Mundial, muitas décadas mais tarde.

“Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. (Mateus 5:7)”.

Dos 40 mil pilotos de caça alemães na Segunda Guerra Mundial, apenas 2.000 sobreviveram. Os dois pilotos, antes inimigos, tornaram-se colegas e trocaram correspondências por anos. Em 2008, com seis meses de diferença, ambos morrerem. Franz Stigler tinha 92 anos; Charlie Brown, 87.

Referências:
História Sem Fim
Confederate Colonel
Stormbirds
Flying Carrot
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